Em busca de minha verdadeira face, adentrei o fundo do baú, onde repousavam bugigangas e cacarecos. Tudo ali jazia empoeirado, ansiando por um olhar compassivo, por mãos que os segurassem e livrassem do pó, concedendo-lhes propósito e cumprindo o destino para o qual foram criados. Com cuidado, fui separando cada item, organizando-os meticulosamente ao meu redor. Ao avançar, deixei para trás as feridas, os remorsos e as traições, mantendo em minha vista apenas o que restava, especialmente as ilusões. Parecia que havia encontrado o último objeto, uma pena branca, mas logo percebi um fundo falso, gravado com letras misteriosas. Com dificuldade, libertei esse segredo, desvendando uma escuridão que me encarava com estranheza. O medo se apoderou de mim, porém, uma voz familiar e doce me chamou, remetendo-me à imagem de minha mãe. Embora nossa relação tenha sido difícil, essa voz parecia trazer à tona o lado dela que sempre permanecera oculto. Compreendi que aquele era o baú das sombras, onde repousavam os pensamentos e atitudes abandonados pela mente consciente. Ao fechar os olhos, a escuridão se desvaneceu, revelando um mundo de contrastes. Quanto mais eu esvaziava minha alma, mais bela se tornava a paisagem. O baú desapareceu, assim como corpo e mente. Restou apenas o equilíbrio doloroso e sanador. Encontrei-me sobre uma ponte levadiça, suspensa sobre um abismo infindável, onde todas as sensações encontravam morada. Estar presente nesse mundo estranho era como conduzir uma bicicleta que se inclina para a esquerda quando giramos o guidão à direita. Era como habitar um eterno Koan. Indaguei-me sobre o paradeiro de meu corpo e, então, me transformei em vento. Intrigante era compreender como algo poderia existir em todos os lugares simultaneamente, mas permiti-me ser conduzido por essa agradável sensação. Contudo, logo me arrependi, pois o prazer não pode existir sem apego. Vi-me imerso em um lago de piche, sufocado pelo líquido viscoso que permeava minhas entranhas. Ansiava pelo ar puro, pelas montanhas e pela terra. Então, uma compreensão brotou de algum recanto de minha mente, indicando que, para retornar, eu deveria aceitar aquele estado, pois ele também fazia parte de mim. Fechei o baú, depositando dentro todos os objetos, e o sepultei com um pedaço de papel escrito: "Somente para aqueles que desejam se perder de si mesmos para encontrar a plenitude no grande todo."
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